O Nascimento Divino do Arquipélago: A Criação Segundo a Mitologia Japonesa

 Uma Dança Cósmica Entre o Céu e a Terra que Deu Origem às Ilhas Sagradas

História Viva com a Prof.ª Socorro Macêdo

A mitologia japonesa, rica em deuses (kami), espíritos e criaturas fantásticas, oferece uma explicação singular e poética para a criação do mundo e do próprio Japão. As narrativas fundamentais, encontradas principalmente nos antigos textos Kojiki (Registro de Assuntos Antigos) e Nihon Shoki (Crônicas do Japão), descrevem uma gênese divina, onde o caos primordial se organiza através da ação de poderosos kami, culminando no surgimento do amado arquipélago japonês e de seus primeiros governantes.

Do Caos Primordial ao Surgimento dos Primeiros Kami

Segundo a mitologia japonesa, no princípio existia apenas um estado de caos indistinto, uma massa informe e silenciosa. Lentamente, princípios sutis começaram a se separar, dando origem aos primeiros kami. Estes não eram deuses no sentido ocidental, mas sim personificações de forças naturais e conceitos abstratos.

Os três primeiros kami a emergir espontaneamente foram Ame-no-Minakanushi-no-Kami (Mestre Celestial do Centro), Takamimusubi-no-Kami (Alto Produtor Divino) e Kamimusubi-no-Kami (Produtor Divino). Estes "Três Kami da Criação" surgiram em Takamagahara (a Planície dos Altos Céus) e logo se ocultaram, desempenhando um papel fundamental, mas distante, na criação subsequente.

Após eles, emergiram outros pares de kami, cada vez mais concretos e distintos, representando a energia, a matéria e os elementos primordiais. No entanto, o mundo ainda permanecia incompleto, flutuando como óleo sobre a água.


Izanagi e Izanami: A Dança Divina da Criação

O papel central na formação do mundo material e do próprio Japão é atribuído ao casal divino Izanagi-no-Mikoto (O Convidado Masculino) e Izanami-no-Mikoto (A Convidada Feminina). Os kami celestiais incumbiram a este casal a tarefa de trazer ordem e solidez ao caos.

Para auxiliá-los nessa missão, foram concedidos a Izanagi uma lança adornada com joias, conhecida como Ame-no-Nuboko (Lança Preciosa dos Céus). Postando-se sobre a "Ponte Flutuante dos Céus" (Ame-no-Ukihashi), Izanagi mergulhou a lança no oceano primordial e, ao retirá-la, as gotas salgadas que escorreram da ponta se solidificaram, formando a primeira ilha, Onogoro-shima (Ilha que se Forma Sozinha).

Descendo para esta nova terra, Izanagi e Izanami construíram um pilar celestial (Ame-no-Mihashira) e um vasto palácio (Yashiro). Ali, eles realizaram um ritual de união, caminhando em direções opostas ao redor do pilar e se encontrando do outro lado.

Através dessa união divina, Izanami deu à luz as Ooyashima, as oito grandes ilhas que formam o núcleo do Japão: Awaji, Iyo (Shikoku), Oki, Tsukushi (Kyushu), Iki, Tsu, Sado e Yamato (Honshu). Além das ilhas, eles também geraram inúmeros outros kami, personificando montanhas, rios, ventos, árvores e outros aspectos do mundo natural.

A Tragédia e o Nascimento de Amaterasu, Tsukuyomi e Susanoo

A fase inicial da criação foi marcada pela alegria e pela multiplicação dos kami. No entanto, a tragédia se abateu sobre Izanagi e Izanami quando esta última deu à luz Kagutsuchi (ou Ho-musubi), o kami do fogo. O nascimento de Kagutsuchi causou ferimentos terríveis em Izanami, levando à sua morte e descida ao Yomi (o submundo).

Consumido pela dor e pela fúria, Izanagi matou Kagutsuchi com sua espada Totsuka-no-Tsurugi. Do sangue e das partes do corpo de Kagutsuchi, surgiram ainda mais kami, ligados a elementos naturais como rochas e chuva.

Movido pelo desejo de rever sua amada, Izanagi aventurou-se no Yomi, mas sua tentativa de trazê-la de volta falhou, resultando em um confronto terrível e na separação definitiva dos dois mundos. Ao retornar ao mundo dos vivos, Izanagi realizou um ritual de purificação nas águas de um rio.

Durante esse ritual, do seu olho esquerdo nasceu Amaterasu-Omikami, a gloriosa kami do sol; do seu olho direito nasceu Tsukuyomi-no-Mikoto, o misterioso kami da lua; e do seu nariz nasceu o impetuoso Susanoo-no-Mikoto, o kami dos mares e das tempestades. Estes três "Filhos Preciosos" de Izanagi receberam o domínio sobre os céus, a noite e os oceanos, respectivamente, e suas histórias e interações formam uma parte fundamental da mitologia japonesa, influenciando profundamente a cultura e a religião do país até os dias atuais.

A narrativa da criação na mitologia japonesa é uma tapeçaria rica de simbolismo e significado. Ela não apenas explica a origem do mundo e do Japão, mas também estabelece a linhagem divina da família imperial, descendente direta de Amaterasu. Através das ações e interações dos primeiros kami, a mitologia japonesa oferece uma visão de mundo onde o sagrado está intrinsecamente ligado à natureza, e onde a criação é um processo contínuo, moldado pelas forças divinas e pelas ações de seus descendentes na Terra.

História Viva com a Prof.ª Socorro Macêdo


História Viva com a Prof.ª Socorro Macêdo

Professora Licenciada em História com especialização em Gestão Escolar. Trabalhei por 26 anos na rede municipal. Gosto de aprender sobre Educação e tecnologia.

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