| A Invasão da Rússia por Napoleão (1812) |
A campanha de 1812, conhecida na Rússia como a Guerra Patriótica, representa um dos exemplos mais dramáticos de como a superconfiança e o planejamento falho podem transformar o auge do poder em uma catástrofe total. Napoleão Bonaparte, o gênio militar que havia conquistado a Europa, encontrou seu calcanhar de Aquiles não em um campo de batalha, mas na vastidão desoladora da Rússia.
Contexto: O Bloqueio Continental e a Fissura
No início de 1812, Napoleão estava no ápice de seu domínio. A maior parte da Europa estava sob seu controle direto ou aliança. No entanto, o Reino Unido permanecia indomável. Para forçar a rendição britânica, Napoleão havia imposto o Bloqueio Continental, proibindo o comércio europeu com a Grã-Bretanha.
O Czar Alexandre I, da Rússia, embora aliado de Napoleão pelo Tratado de Tilsit (1807), considerou o Bloqueio uma ruína para a economia russa. Quando a Rússia começou a reabrir seus portos ao comércio britânico, Napoleão viu isso como um ato de desafio que minava toda a sua estratégia de guerra econômica. Sua resposta foi imediata e fatal: a decisão de invadir e forçar o Czar à obediência, destruindo a Rússia como potência continental.
O Erro Crasso: Três Inimigos Inesperados
Em junho de 1812, Napoleão cruzou o Rio Niemen com a Grande Armée, uma força massiva de mais de 600.000 soldados de toda a Europa, a maior força militar já reunida até então. O Imperador esperava uma vitória rápida e decisiva em uma ou duas batalhas de verão. Ele subestimou severamente três fatores cruciais:
1. A Estratégia da "Terra Arrasada"
Ao invés de enfrentar a Grande Armée em uma batalha campal, o comandante russo, o Marechal Mikhail Kutuzov, adotou uma tática devastadora: recuar continuamente. Enquanto recuavam, os russos destruíam tudo em seu caminho — colheitas, casas, pontes e suprimentos. Isso obrigou o exército francês a marchar por longas distâncias sem acesso a forragem fresca, comida ou abrigo.
2. A Vastedão da Rússia
A longa linha de suprimentos de Napoleão se estendeu perigosamente. A logística da época simplesmente não conseguia sustentar 600.000 homens e 200.000 cavalos em marchas de centenas de quilômetros em um terreno pobremente desenvolvido. A fome e a exaustão começaram a reduzir o exército francês muito antes de qualquer grande engajamento.
3. O General Inverno
Apesar de conseguir uma vitória custosa em Borodino e ocupar Moscou em setembro, Napoleão esperou em vão por uma oferta de paz. Quando o inverno brutal chegou prematuramente, em meados de outubro, forçando uma retirada, a temperatura caiu abaixo de $-30^\circ\text{C}$. O frio, a neve, a falta de suprimentos e os constantes ataques de guerrilha cossaca transformaram a retirada em uma marcha da morte.
A Consequência Enorme: O Colapso do Império Francês
A Grande Armée foi aniquilada. Das mais de 600.000 tropas que entraram na Rússia, estima-se que menos de 100.000 retornaram com alguma capacidade de combate. O núcleo experiente e veterano do Império Francês foi irrevogavelmente perdido.
As consequências dessa perda foram imediatas e cataclísmicas:
Ressurgimento Aliado: As potências europeias derrotadas (Prússia, Áustria, Suécia e Grã-Bretanha) viram a fraqueza francesa e se uniram na Sexta Coalizão.
Derrotas Decisivas: Napoleão foi forçado a lutar com recrutas jovens e inexperientes na subsequente Guerra da Sexta Coalizão, culminando na derrota na Batalha das Nações (Leipzig, 1813).
A Queda Final: Embora Napoleão tenha retornado por um breve período (os Cem Dias), a derrota em 1812 selou sua primeira abdicação em 1814 e abriu caminho para sua derrota final em Waterloo em 1815.
A invasão russa de 1812 não foi apenas uma derrota militar; foi o momento que redefiniu a ordem europeia, restaurando o equilíbrio de poder e estabelecendo a Rússia como uma potência militar dominante no continente por um século
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